domingo, 28 de março de 2010

Álvares de Azevedo, o poeta entediado...

Fora do mundo acadêmico, o poeta sempre achou São Paulo uma cidade entediante. Para o poeta a monotonia era mortal na aborrecida Piratininga dos meados do século XIX. Azevedo escrevia cartas à mãe contando suas lamúrias. Uma delas escrita em 11 de junho de 1848 dizia: " Adeus e viva, que não há mais nada digno de contar-se, senão que a cidade ainda não deixou de ser São Paulo, o que quer dizer muita coisa, entre as quais tédio e aborrecimento". Esse tédio incurável e avassalador não provinha apenas de aspectos exteriores da brumosa Piratininga de ruas esburacadas e pedrosas, nem da mesquinhez do viver paulistano, mas do seu próprio ser angustiado, do seu temperamento dramático, dos recessos sombrios de sua alma devastada por uma misantropia também sem remédio.
A angústia do poeta era tanta que chegou a prever a própria morte. Havia uma superstição fortemente enraizada entre os alunos da Academia de Ciências Jurídicas e Sociais de São Paulo: a de que em cada período letivo morreria um dos alunos do quinto ano.
Afirmam alguns biógrados que, dominado por um mau presságio, Álvares de Azevedo, que escrevia a carvão na parede de seu quarto os nomes dos acadêmicos que tinham morrido no quinto ano do curso, deixara o ano de 1852 em branco pressentindo que seria o nome dele que preencheria o espaço.
Depois do quarto ano voltou para o Rio de Janeiro para passar as férias. Procurava distrair-se, entretanto, a ideia maldita de que era o ano de sua morte parecia gravada em sua mente. Não queria voltar para São Paulo, chegando a fazer planos de terminar os estudos em Pernambuco, mas acabou por se resignar com a ideia do regressso à terra natal. Porém, Álvares não voltaria a São Paulo e nem iria para Recife, como planejara. A casa paterna, no Rio de Janeiro, seria a última morada do poeta do amor e da morte.
A 10 de março de 1852 declarou-se a doença. O poeta saíra para um passeio a cavalo, porém, naquele dia voltara a pé. Teria levado uma queda e desde aí se manifestaram os primeiros sintomas da tunerculose pulmonar.
O estado de saúde de Azevedo começou a agravar-se e ele pediu para ficar junto com a mãe até o fim. O fim se aproximava e o poeta pediu à mãe para que procurasse um padre para rezar uma missa em seu quarto. Horas depois Maneco ergueu-se um pouco no leito, reclinou-se nos braços do irmão e, tomando a mão do pai, levou-as aos lábios, num gesto reverente e agradecido, que era ao mesmo tempo uma reconciliação e uma pungente despedida. Deixou escapar essas palavras: - Que fatalidade meu pai!
Depois de um breve estremecimento houve um silêncio que foi quebrado pelos gritos do pai, do irmão e da mãe do poeta. - Maneco! Maneco!...
O começo da glória póstuma do poeta começou em 1853 quando foi publicado, com o título de Poesias um volume de pouco mais de duzentas páginas, esse volume incluía toda a matéria da Lira dos vinte anos, além de mais nove poesias diversas, um discurso biográfico do prefaciador Domingos Jacy Monteiro e fragmentos de uma carta a Luís Antônio da Silva Nunes. E, assim a mãe do poeta via crescer a glória do filho a medida que embranqueciam os cabelos e ia lhe apagando a visão...

(MAGALHÃES JÚNIOR, 1962)

sábado, 20 de março de 2010

Esperanças

(...) Oh! Não me odeies, não! Eu te amo ainda,
Como do peito a aspiração infinda
Que me influi o viver,
E como a nuvem de azulado incenso;
Como eu amo esse afeto único, imenso 
Que me fará morrer! (...)

Este verso faz parte do poema Esperanças - Álvares de Azevedo - nele, o poeta invoca a figura trágica de Thomas Chatterton por meio de uma exclamação do drama em prosa de Alfred de Vigny: Oh si elle m'eût aimé! " Ah! Se ela me tivesse amado!" 
Para entendermos esta invocação do poeta é preciso saber quais foram as suas influências. A época romântica foi, como nenhuma outra, glorificadora da autodestruição. Começamos pela novela aparecida em 1774, Tristezas do jovem Werther, de Goethe, essa foi a primeira grande influência aos românticos. Pelo menos trinta mil suicídios, só na Alemanha, foram atribuídos ao poder sugestivo da literatura goethiana.
Houve, ainda, várias outras influências deste tipo, como por exemplo, em 1802 quando o escritor italiano, Ugo Foscolo, compôs à imitação das Tristezas do jovem Werther , um livro a que deu o título de Últime Lettere di Jacopo Ortis, cujo desfecho era também o suicídio do herói.
O Jacques, amante de Marion e herói do poema Rolla , de Alfred de Musset, é igualmente um desesperado, que o poeta paulista assim vê, num ensaio datado de 1850: " O herói do poema é um suicida: no gozo devasso afoga-se ele como uma ave do céu caída no mar (...)". (MAGALHÃES JÚNIOR, 1962:158)
René, herói do livro homônimo de Chateubriand, tente o suicídio. O poeta e dramaturgo Alfred de Vigny também colaborou com essa fogueira crepitante, ao escrever o drama Chatterton, baseado na vida infortunada do mistificador que se matara aos dezoito anos.
Todas essas influências literárias não eram indiferentes ou invisíveis aos jovens acadêmicos de São Paulo. Não é a toa que tanto os escritos em prosa, como as poesias de Álvares de Azevedo estão cheias de referências ao Werther, de Goethe, e ao Jacopo Ortis, de Foscolo, como a Musset, Vigny, George Sand. Em outras palavras, podemos dizer que tanto Álvares como os outros poetas românticos, estavam sem dúvida sob efeitos da mesma exaltação romântica.
Além das obras literárias - que eram por assim dizer um curso de preparação ao suicídio - o exaltado romantismo byroniano e o fundo pessimismo dos poetas afligidos por terríveis sofrimentos completavam o quadro, dando aos poetas românticos brasileiros uma visão amarga do mundo inserindo aquele desejo de morrer. Álvares de Azevedo, um desses enamorados juvenis da morte, descobria suas inclinações cada vez que versejava.
Esperanças é como se fosse uma carta suicida, para ser entregue à amada depois da morte. E não podia deixar de ser assim, constituindo aqueles versos um eco da exaltação passional do personagem que, no drama do romântico francês, depois de ter ingerido veneno, assim se despedia da vida:" Ó morte, anjo da libertação, como tua paz é doce! Eu bem tinha razão de te adorar, mas não tinha a força de te conquistar. Eu sei que teus passos serão lentos e seguros. Vê, anjo severo, como subtrairei a todos o traço de minha presença sobre a terra..." E de todas estas fontes foi que o poeta, Azevedo, escreveu seu poema contraditoriamente intitulado Esperanças.

domingo, 14 de março de 2010

Mais que um poeta...

Álvares de Azevedo, além de prosas e poesias, escreveu ensaios literários sobre Byron, George Sand, Alfred de Musset e sobre a literatura e a civilização em Portugal; novela, Noite na Taverna e, ainda, teatro, Boêmios e Macário.
Noite na Taverna é, sobretudo, o reflexo da literatura estrangeira da época, patente nas inflências de Byron e Alexandre Dumas, mesclada com autores mais remotos, como Boccaccio e Shakespeare, tudo isso amalgamado e transfundido no tenebroso cadinho da alucinante de Hoffmann. Em suas histórias macabras, encadeadas por um diálogo, como as Canterbury Tales, de Chaucer, e o Decameron, de Boccaccio, ele é decididamente um escritor hoffmanesco. Azevedo chega a ser mais hoffmanesco que o próprio Hoffmann. Pois, em Noites na Taverna não há traços de lirismo e nem notas humorísticas ou de fantasias poética, o que acontece, às vezes, nas obras de Hoffmann.
No teatro, Boêmios é uma peça breve apresentada como um ato de comédia que não foi escrito, é em versos brancos e dá a impressão de coisa inacabada. O texto foi intercalado na segunda parte da Lira dos vinte anos. Macário, é uma peça mais longa e composta em prosa.
Azevedo foi, ainda, orador oficial da Academia de Ciências Jurídicas e Sociais quando cursava o segundo ano. Na longa oração agitavam-se ideias novas e revolucionárias, entre as quais destacavam-se as da abolição e da República. Enquanto que a família do poeta ingressava na aristocracia imperial, Azevedo começava a tender para o Liberalismo. Seu pai, conservador, tomando conhecimento das audácias do filho resolveu repreendê-lo, mas, não surgiu nenhum efeito.

MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. "Poesia e vida de Álvares de Azevedo". São Paulo: Editora das Américas, 1962.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Anjinho

And from her fresh and unpolluted flesh may violets spring!
E da sua fresca e imaculada carne possam brotar violetas!
Hamlet

Não chorem! que não morreu!
Era um anjinho do céu
Que um outro anjinho chamou!
Era uma luz peregrina
Era uma estrela divina
Que ao firmamento voou! (...)

Esta estrofe pertence ao poema intitulado de Anjinho.
Para termos uma melhor compreensão desse poema é preciso um estudo mais profundo. Por isso, se faz necessário voltar ao tempo e apresentar a vida do poeta. Com isso saberemos o motivo o qual levou o poeta a escrevê-lo.
Uma vez que buscamos dados biográficos do autor percebemos que este "anjinho" não se trata de crença ou não do poeta e sim a perda do irmão. Logo na epígrafe do poema o poeta busca inspiração em Shakespeare, Hamlet, Ato V, Cena I: And from her fresh and unpolluted flesh may violets spring!
Anjinho foi o poema feito em memória do Inacinho, Inácio Manuel, irmão do poeta que morreu quando Álvares de Azevedo tinha pouco menos de quatro anos de idade. Inácio Manuel tinha apenas dois anos quando morreu e a sua morte causou profunda impressão em Maneco. Ao ver o irmão preparado para o enterro, quis saber a razão de tudo aquilo e deram-lhe explicações comuns: a criança morta era um anjo e subiria ao céu para brincar com os Querubins. Azevedo, exaltado, queria que o vestissem também como anjo e lhe cobrissem de flores para que fosse brincar com o irmão. Este foi o primeiro contato do poeta com a morte e a partir desse episódio começaram a aparecer-lhe os fenômenos de uma febre das mais graves, que depois se declarou com toda a violência, marcando o futuro poeta para toda a vida.

terça-feira, 9 de março de 2010

Adeus, meus sonhos!

Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!
Misérrimo! Votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto,
E minh'alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.
Que me resta, meu Deus?
Morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já não vejo no meu peito morto
Um punhado se quer de murchas flores!

domingo, 7 de março de 2010

Os amores de Azevedo

O poeta, pelo que se sabe, não teve tempo e nem oportunidade para viver um amor sério, uma paixão sincera e pura. Por isso, o dualismo que se nota nas composições líricas de gênero amoroso em Azevedo. Às vezes, trata-se de um lirismo idílico e confiante, mas ideal; outras vezes é a amargura de quem não encontrou ainda um coração que o compreendesse.
Segundo Manuel Bandeira, "o erotismo de Azevedo era travado pela timidez"; para Mário de Andrade " o poeta, por mais ousado que fosse em suas páginas literárias, tinha verdadeira fobia do amor sexual". ( MAGALHÃES JÚNIOR, 1962:98)
Desenvolvendo o tema de Mário de Andrade, Vera Pacheco Jordão comenta que Nunca poderia o amor de seu coração participar da natureza fisiológica, atingir a realização total: não haveria traço de união entre os dois mundos. Na maioria dos homens há, na adolescência, essa dissociação entre o amor-sentimento e o amor-carnal, dissociação que às vezes se prolonga por toda a vida e a leva a se desenrolar em dois planos. Mas as almas intensas, que trazem uma visão interior muito marcada, recusam o compromisso com a realidade e se fecham violentamente num mundo seu. (MAGALHÃES JÚNIOR, 1962:98)
O que nos servem como provas dos amores não correspondidos do poeta são as cartas que ele mandava ao amigo Luís Antônio da Silva Nunes. Nelas são constantes as confidências neste sentido. Podemos observar isso em um dos trechos a seguir:
Luís, é uma sina minha que eu amasse muito e que ninguém me amasse. Eis a ironia que aí me vem no meu acabrunhar sombrio, nesse meu não crer no que os outros crêm. Chamam-me frio, julgam que o egoísmo e o orgulho m'o gelara inteiro... o néctar, que se chama alma, daquela ânfora maldita que se chama vida!... Mas, em geral, o que às vezes ainda me aviva o pulsar mais trépido do sangue é a voluptuosidade que se me vislubra numa mulher donairosa, numa daquelas que parecem feitas por Deus como estátuas para rezar-se-lhes ao sopé, para pedir-lhes, como à Vênus lasciva, uma hora - uma só - de gozo... São sonhos - sonhos... Luís, É loucura abrir as asas de anjo do coração a essas brisas enlevadas que, à tarde, vêm tão sussurrantes de enleio, tão impregnadas de aromas de beijos! É loucura! E, contudo, quando o homem só vive deles, quando aí todas as portas se fecham ao enjeitado, por que não ir bater só e de noite ao palácio da fada das imaginações? (MAGALHÃES JÚNIOR,1962:99)